Wednesday, December 5, 2018

Reunião de outubro de 2018 "Conceito Ampliado de Saúde"


Afonso Carlos Neves

Resumo do que foi abordado.

     O conceito de saúde provém de uma percepção do binômio saúde/doença pelos ser humano. A elaboração, expressão e vivência desse binômio passa a acontecer na história da humanidade a partir do momento em que passa a existir “ser humano no mundo”. Nesse momento, surgem concomitantemente com o ser humano a “cultura”, traço coletivo que atravessa as individualidades, e a “linguagem”, principalmente a linguagem verbal. A percepção e verbalização de saúde/doença pode ter partido da percepção de dor/sofrimento pelo ser humano e sua expressão dessa percepção. É certo que os assim chamados animais racionais também sofrem e sentem dor, mas, de nosso conhecimento, o ser humano é quem “elabora” a expressão dessa percepção.
     Assim como os “animais irracionais”, o ser humano também precisa comer, beber, dormir, procriar, mas cada uma dessas atividades no ser humano sempre vem marcada pela “cultura”. Assim também a vivência de sofrimento/dor.
     No período Paleolítico da Pré-História, o ser humano dá início a processos de tratamento/cura de sofrimento/dor. Talvez a percepção de saúde/doença tenha se iniciado a partir da percepção de sofrimento/dor. Mas não temos indícios de “conceito” a esse respeito nesse período.
     A conceituação da Medicina Ocidental vem principalmente da tradição grega. A Medicina Grega configura-se inicialmente com os sacerdotes do Templo de Asclépio no Epidauro, com um traço mais religioso. A partir de Pitágoras nos séculos VI/V a.C. e principalmente Hipócrates nos séculos V/IV a.C. ocorre uma passagem da medicina do território das crenças para o território observacional/racional.
     A partir de Pitágoras e de Hipócrates a noção de saúde surge como uma noção de “equilíbrio”. Com Asclépio, ainda anteriormente, sua filha Higeia, significava “saúde” e sua filha Panaceia, significava “cura tudo”. Desse modo, ainda antes de Pitágoras e Hipócrates já havia certa noção de “saúde”, como uma entidade própria, não necessariamente sendo “ausência de doença”.
     O Juramento de Hipócrates se inicia com as palavras “Juro por Apolo Médico, por Asclépio, por Higeia e Panaceia”, onde pode-se observar que, embora racional, Hipócrates mantém fatores culturais e de crença presentes em seu sistema de pensamento, mesmo que ético e não necessariamente técnico, e confirma por essa citação a presença de “Higeia”, “Saúde”.
     A ideia de equilíbrio entre os quatro elementos e os quatro humores perdura no transcorrer do período grego da medicina. No século I d.C, o poeta romano Juvenal, em um texto de sua autoria coloca o “mens sana in corpore sano” – mente sã em corpo são – que fica também como uma noção de saúde. Juvenal não era médico e nem os outros sábios romanos que estudaram e escreveram sobre medicina. Em Roma, os médicos ou eram estrangeiros – principalmente gregos – ou eram escravos. O nobre romano não se interessava pelo sofrimento dos mais fracos, mas contratava médicos gregos para cuidarem de seus familiares, ou tinha escravos versados em medicina. Para o romano, a medicina era uma “atividade menor”, se comparada à Oratória, à Arquitetura, à Guerra, e a Artes diversas.
     Depois tem-se todo o transcorrer da História onde a Medicina Hipocrática conjuga-se muito bem com o Cristianismo nascente pelo seu espírito ético, bem como também é bem absorvida pelas outras culturas do Oriente Médio com hebraica, persa, e depois também a islâmica.
     Sem ir a muitos detalhes, passamos aos séculos XVII, XVIII e XIX, onde acumulam-se diversos detalhamentos no entendimento de saúde/doença.
     Deve-se frisar que sempre foi mantido o antigo conceito, atribuído a Hipócrates e os hipocráticos de que “não existem doenças, existem doentes”.
      Em 1948, com a criação da Organização Mundial de Saúde, é criado o conceito atual de saúde como “Pleno bem-estar físico, mental e social”.
     Em sendo “bem-estar” já não é apenas “ausência de doença”. Físico e mental repetem a frase “mente sã em corpo são”. O “social” já implica na dimensão “coletiva” de saúde, ou seja, a saúde de um implica na saúde de vários e vice-versa.
     Individualismo não é o mesmo que individualidade. A individualidade é necessária, o Individualismo implica num centralismo exacerbado do indivíduo, em detrimento dos outros. A individualidade implica em um equilíbrio entre o individual e o coletivo.
     O Conceito de Saúde da OMS prosseguiu assim sua história.
     A partir do período de contracultura e contestação, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, passou-se a questionar o Conceito de Saúde, considerando-se não suficiente para abranger todas as condições de bem-estar/mal-estar, seja por serem apontadas diferenças culturais na maneira de entender bem-estar/mal-estar, seja por tornarem-se mais conhecidas e mais valorizadas noções e práticas de medicina de culturas orientais e indígenas.  
     Assim, em 1986, em Ottawa, em uma Conferência da OMS lançou-se a proposta de inserir variáveis culturais na “promoção da saúde”. A partir de então inicia-se a ideia de Conceito Ampliado de Saúde, que signifique o Conceito de Saúde da OMS, acrescentado de alguns outros fatores. Com certa frequência, o conceito ampliado de saúde tem sido formulado como um “bem-estar físico, mental, social e espiritual”. Nós preferimos colocar o fator “espiritual” inserido dentro de um fator “cultural”, ou seja, que além do âmbito espiritual abranja também outros campos, como as Artes, o Lúdico, as Tradições, a Religiosidade e a Espiritualidade.  
     De nossos debates, leituras, palestras adaptamos um quadro que o filósofo Ken Wilber usa para falar de Conhecimento. Trata-se praticamente de uma tabela 2 x 2 que cruza a Individualidade e a Coletividade com os aspectos Interno e Externo do ser humano, onde o Externo refere-se ao corpo físico e o Interno ao âmbito psíquico. O Coletivo Externo se relaciona ao Social e o Coletivo Interno ao Cultural. O campo do “Físico” relaciona-se à “objetividade”, o campo do “Psíquico”, com a “subjetividade”, o campo do “Social” com a “interobjetividade” e o “Cultural” com a “intersubjetividade”.
     Um quinto campo intermediário e comum aos outros quatro é o que diz respeito ao “bem-estar ambiental”, onde tanto questões de “meio ambiente” como de “ambiência” estão presentes.
     Na palestra foram abordados diversos aspectos relativos a essa forma de abordar essa conceituação. Oportunamente isso pode ser comentado neste espaço.

Referência bibliográfica:
Neves, AC – Conceito Ampliado de Saúde in Saúde Integral. Organizado por Paulo Bloise. Editora Senac, 2011.