Afonso Carlos Neves
Resumo do que foi abordado.
O conceito de
saúde provém de uma percepção do binômio saúde/doença pelos ser humano. A
elaboração, expressão e vivência desse binômio passa a acontecer na história da
humanidade a partir do momento em que passa a existir “ser humano no mundo”.
Nesse momento, surgem concomitantemente com o ser humano a “cultura”, traço
coletivo que atravessa as individualidades, e a “linguagem”, principalmente a
linguagem verbal. A percepção e verbalização de saúde/doença pode ter partido
da percepção de dor/sofrimento pelo ser humano e sua expressão dessa percepção.
É certo que os assim chamados animais racionais também sofrem e sentem dor,
mas, de nosso conhecimento, o ser humano é quem “elabora” a expressão dessa
percepção.
Assim como os “animais
irracionais”, o ser humano também precisa comer, beber, dormir, procriar, mas
cada uma dessas atividades no ser humano sempre vem marcada pela “cultura”. Assim
também a vivência de sofrimento/dor.
No período
Paleolítico da Pré-História, o ser humano dá início a processos de tratamento/cura
de sofrimento/dor. Talvez a percepção de saúde/doença tenha se iniciado a
partir da percepção de sofrimento/dor. Mas não temos indícios de “conceito” a
esse respeito nesse período.
A conceituação da
Medicina Ocidental vem principalmente da tradição grega. A Medicina Grega configura-se
inicialmente com os sacerdotes do Templo de Asclépio no Epidauro, com um traço
mais religioso. A partir de Pitágoras nos séculos VI/V a.C. e principalmente
Hipócrates nos séculos V/IV a.C. ocorre uma passagem da medicina do território
das crenças para o território observacional/racional.
A partir de
Pitágoras e de Hipócrates a noção de saúde surge como uma noção de “equilíbrio”.
Com Asclépio, ainda anteriormente, sua filha Higeia, significava “saúde” e sua
filha Panaceia, significava “cura tudo”. Desse modo, ainda antes de Pitágoras e
Hipócrates já havia certa noção de “saúde”, como uma entidade própria, não
necessariamente sendo “ausência de doença”.
O Juramento de Hipócrates
se inicia com as palavras “Juro por Apolo Médico, por Asclépio, por Higeia e Panaceia”,
onde pode-se observar que, embora racional, Hipócrates mantém fatores culturais
e de crença presentes em seu sistema de pensamento, mesmo que ético e não
necessariamente técnico, e confirma por essa citação a presença de “Higeia”, “Saúde”.
A ideia de
equilíbrio entre os quatro elementos e os quatro humores perdura no transcorrer
do período grego da medicina. No século I d.C, o poeta romano Juvenal, em um texto
de sua autoria coloca o “mens sana in
corpore sano” – mente sã em corpo são – que fica também como uma noção de
saúde. Juvenal não era médico e nem os outros sábios romanos que estudaram e
escreveram sobre medicina. Em Roma, os médicos ou eram estrangeiros –
principalmente gregos – ou eram escravos. O nobre romano não se interessava
pelo sofrimento dos mais fracos, mas contratava médicos gregos para cuidarem de
seus familiares, ou tinha escravos versados em medicina. Para o romano, a
medicina era uma “atividade menor”, se comparada à Oratória, à Arquitetura, à
Guerra, e a Artes diversas.
Depois tem-se todo
o transcorrer da História onde a Medicina Hipocrática conjuga-se muito bem com
o Cristianismo nascente pelo seu espírito ético, bem como também é bem
absorvida pelas outras culturas do Oriente Médio com hebraica, persa, e depois também
a islâmica.
Sem ir a muitos
detalhes, passamos aos séculos XVII, XVIII e XIX, onde acumulam-se diversos
detalhamentos no entendimento de saúde/doença.
Deve-se frisar que
sempre foi mantido o antigo conceito, atribuído a Hipócrates e os hipocráticos
de que “não existem doenças, existem doentes”.
Em 1948, com a
criação da Organização Mundial de Saúde, é criado o conceito atual de saúde
como “Pleno bem-estar físico, mental e social”.
Em sendo “bem-estar”
já não é apenas “ausência de doença”. Físico e mental repetem a frase “mente sã
em corpo são”. O “social” já implica na dimensão “coletiva” de saúde, ou seja,
a saúde de um implica na saúde de vários e vice-versa.
Individualismo não
é o mesmo que individualidade. A individualidade é necessária, o Individualismo
implica num centralismo exacerbado do indivíduo, em detrimento dos outros. A
individualidade implica em um equilíbrio entre o individual e o coletivo.
O Conceito de
Saúde da OMS prosseguiu assim sua história.
A partir do período
de contracultura e contestação, principalmente nas décadas de 1960 e 1970,
passou-se a questionar o Conceito de Saúde, considerando-se não suficiente para
abranger todas as condições de bem-estar/mal-estar, seja por serem apontadas
diferenças culturais na maneira de entender bem-estar/mal-estar, seja por
tornarem-se mais conhecidas e mais valorizadas noções e práticas de medicina de
culturas orientais e indígenas.
Assim, em 1986, em
Ottawa, em uma Conferência da OMS lançou-se a proposta de inserir variáveis
culturais na “promoção da saúde”. A partir de então inicia-se a ideia de Conceito
Ampliado de Saúde, que signifique o Conceito de Saúde da OMS, acrescentado de
alguns outros fatores. Com certa frequência, o conceito ampliado de saúde tem
sido formulado como um “bem-estar físico, mental, social e espiritual”. Nós
preferimos colocar o fator “espiritual” inserido dentro de um fator “cultural”,
ou seja, que além do âmbito espiritual abranja também outros campos, como as
Artes, o Lúdico, as Tradições, a Religiosidade e a Espiritualidade.
De nossos debates,
leituras, palestras adaptamos um quadro que o filósofo Ken Wilber usa para
falar de Conhecimento. Trata-se praticamente de uma tabela 2 x 2 que cruza a Individualidade
e a Coletividade com os aspectos Interno e Externo do ser humano, onde o
Externo refere-se ao corpo físico e o Interno ao âmbito psíquico. O Coletivo
Externo se relaciona ao Social e o Coletivo Interno ao Cultural. O campo do “Físico”
relaciona-se à “objetividade”, o campo do “Psíquico”, com a “subjetividade”, o
campo do “Social” com a “interobjetividade” e o “Cultural” com a “intersubjetividade”.
Um quinto campo
intermediário e comum aos outros quatro é o que diz respeito ao “bem-estar
ambiental”, onde tanto questões de “meio ambiente” como de “ambiência” estão
presentes.
Na palestra foram
abordados diversos aspectos relativos a essa forma de abordar essa
conceituação. Oportunamente isso pode ser comentado neste espaço.
Referência bibliográfica:
Neves, AC – Conceito Ampliado de Saúde in Saúde Integral. Organizado por Paulo Bloise. Editora Senac,
2011.