Wednesday, March 3, 2021

Curso de Extensão “Medicina Narrativa: processo interdisciplinar no cuidado à Saúde”. 2021 Aula 1 - Resumo

 

Preâmbulos sobre a Neuro-Humanidades.

     Neuro-Humanidades corresponde a uma interface do Neuroconhecimento com as Ciências Humanas. Neste âmbito, consideramos que não há evento ou processo humano que seja “a-histórico” e nem “a-psicológico”. A dimensão histórica, social, coletiva e a dimensão psicológica estão sempre presentes, inclusive no campo científico. Também não temos a última palavra sobre qualquer coisa, nem todas as respostas. Enfocamos mais os vínculos e os processos entre as coisas do que as próprias coisas. A linguagem tem um papel fundamental no Conhecimento e a metáfora tem um papel importante na construção do Conhecimento.

     Temática “Narrativa, Saúde e Doença”.

     Neste item lembramos que no ano 2000 a Dra. Rita Charon criou oficialmente a Medicina Narrativa, embora várias iniciativas sobre narrativa já ocorressem no mundo.

     Para entender melhor o binômio saúde-doença podemos lembrar a origem do ser humano em sentido amplo, de modo que três fatores se interrelacionam: ser humano, cultura e linguagem. No momento em que começou a existir “ser humano”, conjuntamente também surgiram “cultura” e “linguagem”, significando que o ser humano já surge coletivo e não só individualmente. A coletividade é atravessada pelas individualidades e as individualidades são atravessadas pela coletividade. É nesse processo que vão surgir as noções mais remotas de saúde e doença.

     Desde sempre o ser humano desenvolveu narrativas sobre si, sobre os outros, sobre o mundo e sobre esses diferentes fatores correlacionados. Há quem diga que “a narrativa” desenvolveu a humanidade em um sentido para além do biológico. A narrativa teria “construído o tempo” para o ser humano e sua situação no espaço.

     Narrativa, tempo, espaço do ser humano construíram-se a partir da memória e, por sua vez, também construíram a memória e a memória coletiva no sentido cultural.

     Exercícios de narrativa podem educar a mente racional e emocional para o cuidado à Saúde. Vaillant chamou de emoções positivas: compaixão, perdão, amor, esperança, alegria, fé/confiança, reverência, gratidão. Essas emoções podem ser trabalhadas pelo trabalho com narrativa. Fazem parte de uma capacidade parental inata nos mamíferos do amor parental desinteressado. A cria dos mamíferos, principalmente dos seres humanos, é totalmente dependente dessa capacidade. O cérebro mamífero é “límbico e sensível”.

     Foi falado sobre a diferença entre “história” e “estória” (esta forma não pode mais ser formalmente usada) semelhante a “history” e “story” em inglês. Isso pode ajudar a ressalvar a diferença que existe entre “história clínica” e as “estórias” da vida do paciente. A Medicina Narrativa surgiu da atenção às “estórias” dos pacientes, a qual vai além da “história clínica” mais tradicional.

     Na temática “disciplinaridades”.

     A Medicina Narrativa é intrinsecamente “interdisciplinar”.

     Lembramos que uma atividade “multiprofissional” pode ser “multidisciplinar” ou “interdisciplinar”.

     Foi exposta a conceituação e diferença entre multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Essa conceituação voltará a ser abordada na aula 2.   

 

Monday, October 21, 2019

Aula 3 - Medicina Narrativa: processo interdisciplinar.


     Qualquer fenômeno humano precisa ser contextualizado para ser entendido.
     A doença e o doente no tempo, no espaço, na história são estudados de várias formas.  George L. Engel (1913-1999) criou o termo “modelo biopsicossocial” em 1977 para referir-se a uma maneira mais ampla de encarar doente/doença.
     Assim temos os aspectos do ser humano: físico, psíquico, social e cultural. Correspondem a: biológico, mental, social e cultural.
     Deve-se entender que todas essas “partes” estão presentes ao mesmo tempo, na mesma pessoa, por sua vez, localizados no tempo e no espaço, na história.

Singularidade
     Já falamos sobre singularidade e saúde. Podemos falar um pouco mais.
     A singularidade diz respeito a características específicas de cada pessoa, nem sempre generalizáveis.
      Em “Conversas entre o Mundo da Medicina e o Mundo da Vida”, Elliot Mishler diz que “A Medicina convencional tende a reduzir as múltiplas dimensões da “doença” ao biológico”.
      Mas existe a “singularidade” do paciente presente em:
1 – Cuidado centrado no paciente:
Pode envolver desde a carga genética do paciente e suas tendências biológicas, até suas preferências, seus valores, condições de informação e educação e fatores emocionais.
2 – Então o que é a doença “X” para o paciente “Y”?
       É um fenômeno “Z” único para ele e dele.
O que é uma doença única para uma única pessoa? Entra aí “o adoecer” de cada um, que pode significar:
- o sentido de suas dores existenciais e/ou espirituais.
- o sentido dos erros que supõe ter cometido na vida.
- o que falta para “se aprimorar” na vida.
 - um sentido, ou sentimento de culpa ou de vitimização.
- outros significados existenciais, míticos, religiosos, espirituais, culturais, familiares
     De qualquer forma, se os fatores não biológicos continuam a exercer poder sobre o paciente, como lidar com tudo isto em conjunto?
     A visão da doença e das causas da doença, para o médico e o profissional de saúde, muda com as mudanças da Ciência.
     Já a visão do paciente a respeito de seu processo de adoecer pode ter “raízes profundas” em fatores os mais variados.
     Há então certo embate entre o Geral e o Singular (ou particular):
Qual a “verdade geral” e qual a “verdade particular” para a doença e para o adoecer?
     A experiência de estar doente, de “ter a doença”, do “adoecer”, traz uma “verdade da vivência pessoal”.
     Como se encontram essas “verdades”? Pela narrativa do paciente e familiares.

Características Narrativas da Medicina apontadas por Rita Charon.
A.      Temporalidade
B.      Singularidade
C.      Causalidade/contingência
D.     Intersubjetividade
E.      Eticalidade

A.      Temporalidade
     A narrativa habita o tempo. O tempo habita a narrativa.
     O tempo se torna humano através da narrativa.
     A celebração do tempo na cultura e na literatura nasce: em contos de fadas; em tradições familiares e culturais.  Tudo isso insere a criança no tempo.
     O próprio nome da família tem uma inserção e progressão no tempo.
     A Narrativa pode ser a descoberta mais importante do ser humano para lidar com
a questão do tempo: como “gerenciar” o tempo. Faz-se uso do tempo de várias formas:
Analepse – corresponde ao chamado flashback.
Prolepse – antecipa o futuro, conta o futuro, está no futuro.
Diacronia – é longitudinal – é a sequência, a maneira mais comum, um evento após o outro.
Sincronia – é transversal – concomitantemente; narra vários acontecimentos que ocorrem ao mesmo tempo.
     De certa forma, a Medicina luta contra o poder do tempo.
     Por outro lado, o tempo é o eixo necessário da Medicina. 

B.      Singularidade
     Habilidade de captar o singular, o irreplicável ou o incomensurável, o irredutível. 
     Nenhuma representação replica outra representação.
     Torna-se uma nova representação.
     Nada existe até ser contado.
     A narrativa “produz” as coisas que existem para o ser humano. 
     Narrar é criar.
Roland Barthes dizia o seguinte:
O texto “lisível” é que apenas pode ser lido, e só pode ser lido de uma forma. É o texto técnico.
O texto “escrevível” é aquele que também pode ser escrito, ou reescrito. Portanto, pode ser lido de várias formas: cada nova forma, nova leitura, “reescreve” o texto.
     A leitura do adoecer está “no meio”, entre o lisível e o escrevível, dando espaço à subjetividade, para além do “objeto doente”.

Singularidade do cuidador –
O cuidador muitas vezes é “a parte” esquecida, negligenciada do processo do adoecer. Uma maneira dele fazer-se presente é ele mesmo “escrever” sobre sua presença no processo do adoecer, ou ainda o profissional de saúde escrever sobre o cuidador, anotar sua presença também como sujeito.
Singularidade do profissional de saúde –
O profissional de saúde, por sua vez, também tem que passar a ser visto como alguém que sofre as consequências do processo do adoecer. Uma maneira dele lidar com isso e passar a ter a prática de escrever suas impressões, sobre si, sobre o paciente, sobre a doença. Isso é feito, por exemplo em práticas do grupo de Oncologia Narrativa em Nova York.

Causalidade/ contingência
“Por definição uma narrativa tem uma trama” (ou uma “intriga”)
Não anuncia apenas uma série de eventos separados, mas também relações causais com sentidos e significados, com vínculos entre os eventos.  
E. M. Forster exemplifica:
“O rei morreu e a rainha morreu”. Pode ser uma história.
“O rei morreu e a rainha morreu de tristeza”. Já implica em uma trama, um encadeamento, uma “estória”.
     O ser humano sempre busca sentido, procura a razão para os acontecimentos, para os eventos, quais foram seus antecedentes, suas consequências, tudo através da trama, do encadeamento de eventos.  
     Nossa mente procura uma estrutura, elabora uma estrutura, uma conexão entre os eventos, mesmo que isso não seja evidente.
     A Causalidade, portanto, é uma “invenção”, uma elaboração humana. Não como uma “mentira”, mas como a construção que procure ter certa lógica.  
     Qualquer sequência de eventos pode ser contada em diferentes encadeamentos, tramas, intrigas.
      A trama pode ser o próprio sentido. A trama molda a “estória” para mostrar a significância dos eventos e o sentido para o narrador.
      Por sua vez, a construção da “Trama do Conhecimento” resulta da recusa em temer o desconhecido, nos vários ramos da Ciência: em astronomia, navegação, ciência e medicina...
     As tramas dos mitos, dos épicos, dos romances, bem como da astronomia, ou da genética, são construídas para enfrentar o desconhecido, domar o perigo, quando então o ser humano encontra a si mesmo diante das adversidades.  
     O “Tramamento”, ou construção da trama, busca ordem no misterioso ou no caótico. O “tramamento” não necessariamente resolve o mistério, ou o evento, mas traz respeito à unicidade do acontecimento. Permite viver em face da contingência mesmo que não possa erradicá-la.
     Ler e escrever pode ser “um exercício” em face do contingente; uma maneira de lidar com a contingência. 
     A prática clínica é cheia de “tramamentos”, ou construções de tramas, de narrativas.  Um “diagnóstico” é a elaboração de uma trama em eventos que podem parecer desconectados. A construção de diagnósticos diferenciais é um exercício de medicina narrativa. É um recuperar de antigos exercícios diagnósticos.  

C.      Intersubjetividade
     A palavra “subjetividade” é derivada de “sujeito”. O sujeito é aquele que sabe, que age, que observa.
     Então intersubjetividade é quando dois ou mais “sujeitos” se encontram em suas subjetividades.
     Uma pessoa (self) só existe dentro de “redes de interlocução”. Diz respeito ao caráter coletivo da individualidade. Assim, a responsabilidade humana é intersubjetiva.
     A intersubjetividade Interconecta a “subjetividade” entre as pessoas através das narrativas. O que dá sentido à narrativa é o encontro na linguagem entre narrador e leitor.
      Então, as “Dimensões intersubjetivas” correspondem a relações entre autor e leitor através do tempo e do espaço. Mesmo que haja distância de séculos no tempo, ou de milhares de quilômetros no espaço.
     A “textualidade” pode definir a relação profissional-paciente. Textos com palavras, silêncios, achados físicos, imagens, aparências, e mesmo exames subsidiários, podem levar a descobertas pessoais sobre o paciente, e mesmo sobre o profissional. Todo esse processo pode até ser terapêutico.

D.     “Eticalidade”
     Existe uma visão ética fornecida pelas “estórias” em interface com os cuidados à saúde.
     Existe uma “Eticalidade” no escrever e no ler. “Escrever e ler” têm consequências na vida cotidiana.
     Na responsabilidade “intersubjetiva” pode-se ter a escolha de um texto ético, no ler ou no escrever. As respostas a qualquer texto devem ser éticas.
     A intersubjetividade entre autor e leitor leva a certo respeito ético deste pelo primeiro, mesmo com eventual crítica à produção textual.
     Certos textos, narrativas alimentam a ética por si só, como nas fábulas.
Shakespeare tem um enfoque sobre questões que têm desdobramentos éticos.

Poder da narrativa
     A narrativa por si só tem um poder ligado ao ser humano. Esse poder está relacionado a:
-       À necessidade de saber do ser humano
-       Ao dom/capacidade de saber
-       À responsabilidade de saber
A leitura que toca profundamente a pessoa tem um poder.
A leitura que leva à ação revela seu poder.
A leitura que transforma interiormente também tem um poder peculiar.
Por outro lado, a leitura pode causar dano, nesse poder transformador.
     Além disso, o leitor não é passivo, ele:
-       Remodela
-       Questiona
-       Faz hipóteses
-       Interpreta
-       Procura chaves/soluções
-       Fica atento às vozes do texto.

Outros aspectos
 O processo de tratamento/cura pode começar quando o paciente inicia sua narrativa. A narrativa dá voz ao processo de sofrimento/dor que a pessoa “suporta”.
     Por outro lado, uma pesquisa de 1984 demonstra que a primeira interrupção do médico na fala do paciente vinha em 18 segundos após o início da conversa. Isso indica uma entre outras limitações à escuta das “estórias”. 
     Na observação do profissional de saúde, além das palavras, também posturas, gestos, e outros fatores comunicam “eventos” no processo integral de narrativa.
     Então, ouvir, escutar, olhar, ver podem ter sentidos e aplicações diversas.
O contato com o olhar é muito importante.
Também ouvir com a “terceira orelha”: para captar metáforas, imagens, referências a outras “estórias”, a variação no humor, e outros aspectos.
Muitas vezes o profissional de saúde acha que esse território pertence só ao psiquiatra ou ao psicólogo. Pode parecer “perda de tempo” dar atenção a outros fatores além do estritamente físico.  
Mas podemos dar chance à narrativa...
No Início da Regra de São Bento (século VI) tem-se o texto em Latim:
OBSCULTA O FILI PRAECEPTA MAGISTRI ET INCLINA AUREM CORDIS TUI...
“Obsculta” não é nem “escuta” nem “ausculta”, mas “escuta com o coração”.
“Escuta filho os preceitos do mestre e inclina o teu coração”.

     Assim, o self não é algo “sem o corpo”, simbolicamente ou concretamente.
      Então o corpo também tem vínculos intersubjetivos.

Narratividade diz respeito ao processo de como se dá a narrativa.
Diz respeito à narrativa e seus vínculos. A narrativa não é um fenômeno isolado. Existem processos colaterais à narrativa, direta ou indiretamente ligados.

Self Identidade Individualidade
Cada lado da relação profissional/paciente pode estar com questões de:
Identidade – qual meu horizonte pessoal?
Existenciais – buscas, metas, meios.
Emocionais – variadíssimas...
(anos 60) Derrida, Paul de Man, Foucault e Barthes desafiaram o conceito de “autonomia individual”: segundo eles, nascimento, biologia, status social, período histórico, experiência individual, livre arbítrio são todos interligados. São condições que limitam a assim chamada “autonomia” ou o “livre arbítrio”.
      Somos criados e influenciados por sensações subjetivas, relações poderosas sobre as quais não temos controle. Portanto, vivemos mudanças temporárias e temos identidades mutantes, sobre as quais não decidimos livremente.

Desenvolver competência Narrativa
     Agora entrando nos fatores que aprimoram o exercício narrativo propriamente dito. Um primeiro aspecto pode ser a assim chamada “leitura minuciosa”, ou “leitura atenta” (close reading).
Como ler um livro?
1- Enquadramento/contexto
2 - Forma
3 - Trama
4 - Desejo
5 - Atenção, Representação, Afiliação

1 – Enquadramento contexto
Localizar o texto no mundo:
-       De onde vem o texto?
-       Como ele surgiu?
-       O que ele busca? O que ele responde?
-       Como foi respondido, no caso de iniciar com um questionamento, mesmo que em uma estória.
-       Como ele muda o sentido de outros textos? Seja sobre textos que cita explicitamente, ou seja indiretamente, ao levar a questionar outros textos.
-       “Historicizar” o texto. Condições históricas em que ocorre a narrativa. Se for uma ficção, quando foi produzido e sobre que época trata. Se for um ensaio, também valem esses fatores.


2 - Forma
A forma do texto pode ser invisível a quem não treinou para vê-la.
Herdamos dos estruturalistas a apreciação de como um texto é construído:
gênero, divisões em partes, sua dicção, metáforas, características do narrador.
São fatores para a “leitura minuciosa” (close reading).


2.1 - Forma – gênero (tipo de texto)
O texto pode ser:
-   romance
       - “estória” curta
-        obituário
-        romance epistolar (em forma de carta)
-        conto gótico
-        poema lírico
-       ficção
Há também mistura de gêneros em uma mesma obra:   
P. ex. The English Patient    /    Austerlitz
Onde pode misturar: ficção, narrativa histórica, monólogo psicanalítico, memória.
Cada gênero tem suas próprias regras.
Um gênero literário é ativo, “um organismo vivo” em relação a seu tempo e cultura.
Ler um gênero como se fosse outro pode levar a um entendimento errado.
Conforme Hugh Crawford: os professores de medicina e literatura não deveriam se restringir ao gênero de estórias curtas. As longas histórias também são necessárias no treino narrativo.
O que as características de um gênero podem provocar no leitor profissional da saúde:
-       Comparações com situações práticas;
-       abertura novas perspectivas de entendimento do paciente;
-     indiretamente sugerir novos caminhos para a situação ou o caso.

2.2 - Forma – Estrutura visível
Alguns trabalhos se dividem em livros ou capítulos.
Alguns capítulos têm subdivisões.
Essa divisão pode informar a respeito das ideias e mais propriamente do que pensa o escritor no momento específico do livro: além de uma pausa, uma mudança nas subdivisões.
Há um “ritmo” próprio nos intervalos das partes do livro, que vai determinar a maneira de absorver a narrativa.  

3 - Forma - narrador
Ao estudante de medicina, Dra. Charon insiste em desenvolver o hábito de identificar detalhes do narrador.
O narrador não é o autor. O narrador “foi colocado” pelo autor para narrar a estória.
É interessante analisar aspectos experienciais, vivenciais, existenciais do narrador.
Eventualmente “toma-se partido” a favor ou contra o narrador.
Podem existir múltiplos narradores.
Eventualmente o narrador cruza por várias “subjetividades”.
A prática de estudo sobre o narrador pode aguçar a leitura de prontuários de pacientes no sentido de entender quem é aquele que narra o texto.

2 - Forma - Metáfora
Metáforas podem “cristalizar” sentidos.
Dar noções de dimensões do humano.
Expressam sentidos figurativos que ilustram ou dão voz à “estória”.
A metáfora é como o cérebro humano “viaja”:
o pensamento científico, o poético, e outros são metafóricos.

2 - Forma - Alusão
Todos os textos falam com outros textos.
Portanto existem conversas intertextuais.
P. ex.:
      A criatura de “Frankenstein” aprende inglês lendo uma cópia do “Paraíso Perdido” de Milton. O leitor pode entender que Frankenstein é um “recontar” do poema de Milton.
E assim outras formas de menção a textos dentro de textos.

2 - Forma - dicção
Dicção é o registro linguístico em que o trabalho é escrito.
Alguns textos são conversacionais, ou casuais, ou coloquiais.
Outros têm dicção “bíblica”.
Ou ainda formal, burocrática, contemporânea.
Identifica-se então o humor do texto, ou seriedade, ou alguma forma de autoridade, ou intimidade.
Por vezes há uma mescla dessas dicções.
Texto hospitalar: dicção “contida”, formal.

2 - Forma - tempo
Atenção à ordem, sequência, duração, tempo da história/estória, tempo do discurso, velocidade.
Podemos ver a estrutura temporal do texto.
Também os tempos verbais do texto.
Assim, toda a obra pode falar de um dia, ou de minutos, ou de séculos, ou muitos anos, ser cíclica, ou mesmo de um “tempo mítico”.
Pode contar experiências vívidas, deslocamentos no tempo, flashbacks.

3 - Trama – intriga - encadeamento
“A trama aparece em um caminho central que dá sentido ao leitor, primeiro ao texto, e então, usando o texto como modelo interpretativo da vida”.
                                                                 Peter Brooks “Reading for the plot”.
A trama é percebida a partir de determinado encadeamento ou configuração de frases e trechos do texto.
A “forma” também pode participar da configuração da trama.

4 – “Desejo”
“Categoria mais obscura e mais acessível”.
Qual desejo foi satisfeito pelo autor?
Qual desejo foi satisfeito pelo leitor?
Roland Barthes fala nos “prazeres do texto”.
Segundo ele, a leitura pode ser feita até “com o corpo”.
Existe então um estado de “exaustão satisfeita”, que pode diferenciar a leitura minuciosa da leitura casual.
A leitura casual implica em ler por relaxamento, distração, descanso, entretenimento.
Já a leitura minuciosa envolve intelecto, concentração, imaginação, pensamento metafórico, desejos de identidades, autoanálise, desafios, novas visões de si, dos outros e do mundo.

5.1 - Atenção
Estado de atenção é complexo.
Conota o esvaziamento do self para se tornar instrumento de recepção do sentido do outro.
As práticas meditativas treinam a atenção.
Simone Weil chama de “extrema atenção” um estado em que a atenção é tão intensa que “eu desapareço”.
 Então há que desenvolver uma “atenção clínica”. 
Desenvolver empatia, de modo que o outro possa falar através de nós. Como um objeto que ressoa o som do vento, o observador traduz as palavras do paciente em significado, em sentido.
Estar presente / ter presença diante da realidade individual do outro.
Ter a mente aberta para o outro, para aceitar as perspectivas do paciente.
Emmanuel Lévinas:
“O self que ouve ‘o chamado’ é o verdadeiro self”.
O treino narrativo leva ao estado de atenção.

5.2 Representação
Filosofia, Psicologia Cognitiva, Estética, estudos literários, escrita criativa, psicanálise, todos escreveram sobre o processo criativo em perceber ou imaginar e transportar para palavras uma situação ou um estado.
Representações visuais e escrita:
Como entender a própria experiência e a de outros pela narrativa. 
Paul Ricoeur em “Tempo e Narrativa”, fala sobre a Mimesis de Aristóteles –
Como o ser humano compreende sua experiência no mundo ao compreender, por meio de texto, as experiências dos outros.
Mimesis usa ferramentas textuais. 
Não é repetição. É representação. Em “parte” é imitação.
Mimesis cria algo que não existia antes da mimesis.
Mimesis tem 3 movimentos:
Mimesis 1 – Pré-entendimento da ação humana:
com semântica, símbolos, temporalidade: “potencial para algum sentido”, atenção.
Mimesis 2 – ato de composição – algo narrável, representável, o texto, a representação.
Mimesis 3 – consequências para o leitor do que outro escreveu. Ação, intersecção entre o mundo do texto e o mundo do leitor. 

Representação clínica: prontuário hospitalar e de consultório.
Ler mais e escrever mais pode levar a:
Escrever melhor no prontuário.

5.3 - Afiliação
Estados de atenção e atos de representação se correlacionam.
A Prática Narrativa desenvolve meios de encorajar o profissional a representar de modo mais abrangente o que ele aprende sobre os pacientes e sobre si.
Essa é a escrita reflexiva ou criativa. 
Existe a Afiliação intersubjetiva entre profissional e paciente, e entre profissionais.
       Diz respeito a “contatos” de maneira ampla.























Monday, October 7, 2019

Aula 1 do Curso: Medicina Narrativa: Processo Interdisciplinar em Saúde. 2019.


     Este curso está inserido no Setor de Neuro-Humanidades da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.
    O Setor de Neuro-Humanidades trabalha com as intersecções entre Neurociências e Ciências Humanas. No sentido amplo do termo, Neurociências, no plural, é uma designação que engloba os diversos campos de estudo com o prefixo “neuro”, além da Neurociência, no singular, propriamente dita, que se refere mais propriamente à Ciência Básica de Pesquisa assim denominada.
     Então, Neuro-Humanidades diz respeito a interfaces entre áreas “Neuro” e os campos de estudo como Filosofia, História, Sociologia, Antropologia, Letras, Literatura, Geografia. Portanto, trata-se de um campo “interdisciplinar”.
     Neste campo, trabalhamos com algumas ideias básicas que nos orientam. Para nós não existe processo ou evento humano que seja “a-histórico” ou “a-psicológico”, ou seja, não se pode desvencilhar qualquer campo do Conhecimento da História e da Psicologia. A história humana e a psique humana estão em qualquer processo humano. Afirma-se isso porque, eventualmente pensa-se que a Ciência (principalmente as Hard Sciences) seria algo que se faria por si, acumulando conhecimentos científicos, independentemente da história humana e da psique humana, sem depender de outros fatores que não seus próprios parâmetros.
     Também em Neuro-Humanidades colocamos que “não temos nem a única nem a última palavra sobre qualquer coisa”. Os diversos campos de Conhecimento podem usar os mesmos termos para significar coisas diferentes dentro de linguagem e contextos próprios de cada um desses campos. Deve-se situar o contexto e outros fatores dentro dos quais se esteja inserindo determinado termo ou conceito.
     Além disso, frisamos que não temos todas as respostas. Se ao fim de determinado estudo chegarmos a formular alguma pergunta, já pode ser um avanço em nosso estudo. O filósofo Henri Bergson dizia que quando formularmos nossos próprios problemas, seremos livres. Ele quis dizer que, em geral, somos educados para trazer soluções a problemas que já nos chegaram com esse título, “problema”, e já assim estruturados. Precisaríamos aprender a verificar se realmente se trata de um problema e estruturar a configuração do problema. Assim também as perguntas. Ao se estudar algum assunto, não necessariamente deve-se chegar a todas as respostas, mas eventualmente descobrir ou propor caminhos, quais as perguntas a serem feitas.
     Em Neuro-Humanidades interessa-nos mais os vínculos, as ligações, os processos entre as coisas, do que as próprias coisas. Mais os processos do que os fatos. Em nossa cultura temos forte influência do Positivismo do século XIX. A ciência positivista baseia-se na constatação de fatos e que esses fatos seriam indiscutíveis e que se caminha de comprovação em comprovação crescente na acumulação de conhecimento. Mas, a formação atual do Conhecimento, principalmente do Conhecimento Médico vem a partir da Medicina Baseada em Evidências, evidências essas que não são necessariamente fatos, mas decorrências de estudos diversos associados a Bioestatística e Epidemiologia. Na interface de Neuro e Humanidades, estando focados mais nos processos do que nos fatos, procuramos estudar elementos menos frequentemente elencados nos estudos habituais.
     Finalmente, a “linguagem”. Para nós a linguagem é fundamental, não só a linguagem verbal, mas todas as formas de linguagem. No entanto, a linguagem verbal assume importância singular, na medida em que com ela se constrói toda forma de Conhecimento, incluindo o conhecimento “Neuro”. A linguagem precede até mesmo a noção de conceituações neurológicas básicas. Antes vem a linguagem, depois vêm os conceitos. “Ser Humano, Linguagem, Cultura” são elementos associados desde o início de sua existência. Cada um desses três fatores está fortemente e indissoluvelmente ligado aos outros dois.  Comer, beber, dormir, procriar são atividades básicas das diferentes espécies animais; mas no ser humano cada um desses fatores está sempre marcado pela Cultura, por elementos culturais; a Cultura que é fruto da convivência comunitária de seres humanos desde os primórdios em que se possa referir a “ser humano”. A conceituação de “ser humano” sempre implica em “comunidade”, de onde provém “a cultura”. Associada a ambos está a “linguagem”.
     Assim, a linguagem é a principal ferramenta, mas também pode ser obstáculo ao Conhecimento. Sua capacidade, suas possibilidades são também seus limites.
     Para ilustrar isso podemos lembrar uma passagem de Thomas Kuhn em sua coletânea póstuma “Depois da Estrutura”. Ele, que tinha formação como físico, ao estudar Aristóteles, achou estranho o conceito aristotélico de “movimento”. Em primeiro momento achou que Aristóteles nada entendia de Física. Mas depois ele veio a entender que “movimento” para Aristóteles tinha outro sentido: para ele, por exemplo, a metamorfose na natureza, de larva em borboleta, era um “movimento”. Ou seja, a ideia de movimento englobava também formas de transformação. A partir daí, Kuhn passou a respeitar Aristóteles e esse foi um dos elementos que o levaram a configurar sua ideia de “incomensurabilidade de paradigmas”, na medida em que eles usem diferentes linguagens e métodos.
     Outro aspecto sobre a linguagem diz respeito à importância da metáfora para o Conhecimento. A metáfora permite a passagem de palavras entre diferentes campos do Conhecimento, mas com sentidos associados, não exatamente os mesmos de seu campo de origem. Podemos pensar, por exemplo, nas diversas passagens da palavra “célula” desde sua origem como “pequena cela” quando vista pela primeira vez pelo microscópio por Robert Hooke, que associou o que via a “pequenos cômodos” que chamou então de células. Daí para diante esse termo percorre diversos campos do Conhecimento e mesmo da linguagem coloquial.
     Tendo visto esta introdução a respeito de alguns conceitos básicos para os estudos em Neuro-Humanidades, passemos então a falar da Medicina Narrativa como uma prática interdisciplinar na área da Saúde.
     Ao falarmos de “interdisciplinaridade” devemos entender esse termo. Ele costuma ser estudado com os termos Multidisciplinaridade e Transdisciplinaridade. Multidisciplinaridade é uma associação de disciplinas que segue um modelo praticamente iniciado com Aristóteles, embora ele mesmo não usasse esse termo de “multidisciplinaridade”; essa é uma conceituação que surge no século XX, a respeito do Conhecimento no sentido amplo do termo. Na Multidisciplinaridade, cada disciplina fica com seu método e sua linguagem, havendo apenas algum contato entre disciplinas. É o modelo tradicional, convencional da maioria das escolas. Já a interdisciplinaridade implica em uma permuta de linguagens e métodos.
     Devemos notar que a transdisciplinaridade não é um degrau acima de multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. A transdisciplinaridade transversaliza as outras duas formas de associação de disciplinas, de modo que trabalha mais com uma espécie de metalinguagem e de “metamétodo”, do que com o próprio discurso intrínseco a cada área, ou mesmo com o âmago de seus métodos. Na transdisciplinaridade, também a Cultura, ou a Culturalidade sempre é levada em consideração.
     Visto isso, afirmar que a Medicina Narrativa é uma área interdisciplinar implica em indicar que ela dá espaço à permuta de linguagens e de métodos entre diferentes áreas do Conhecimento ligadas à saúde. Ao falarmos área da Saúde também podemos ampliar essa designação para saúde/doença, na medida em que ambas têm sua fundamentação de forma mútua, embora não sejam exatamente equivalentes de forma inversa.  
     A ideia de saúde/doença surgiu para o ser humano a partir da constituição do próprio “ser humano”, naqueles primórdios já referidos, em que há ser humano, linguagem e cultura surgindo associados. Dessa forma, a percepção de “sofrimento e dor” passou a ser algo presente, a partir do momento em que se tem “ser humano no mundo”.
     Pode-se eventualmente alegar que os animais também sofrem; o que é certo. Mas, mesmo esta conceituação vem do ser humano que pensa a esse respeito. Assim, a percepção e elaboração de alguma coisa que passe a ser nomeada como “sofrimento ou dor” é algo próprio do ser humano. “Nomear” é algo próprio do ser humano, como se lê no Gênesis a determinação para que Adão nomeasse todos os animais. Esse atributo verbal é bastante próprio do ser humano. Assim também no binômio saúde/doença temos a presença da linguagem.
      Frisamos que sempre ensinamos que “não existem doenças, existem doentes”. Isso significa que doenças são resultado da abstração médica a partir de sinais e sintomas. Sinais e sintomas similares podem significar uma doença em um século e outra doença em outro, porque ambas são construídas a partir do contexto histórico e do conhecimento do tempo presente de cada uma.
     Assim como o ser humano “nomeia” com sua linguagem verbal, também a partir da percepção de outras linguagens, ele discorre “verbalmente” a respeito dos eventos que o cercam. Isso usualmente, e inicialmente, a partir de noções de espaço e de tempo. Sempre o ser humano narra sucessivamente e comparativamente os eventos de sua vida e de sua comunidade desde os tempos primordiais. Desse modo, configuraram-se as narrativas. Entre elas, as narrativas das doenças. Talvez, paradoxalmente, as narrativas de doenças tenham precedido as narrativas de saúde, já que na medicina as noções de doenças são abstrações. No entanto, em tempos primordiais as “doenças-narrativas” tinham certos significados dentro do mundo cotidiano dos seres humanos, de um modo razoavelmente diferente da moderna conceituação científica de doença.
     Deixemos este debate para outra oportunidade. Agora comentemos um pouco sobre Medicina Narrativa.
     O termo Medicina Narrativa foi criado pela Profa. Dra. Rita Charon, professora de Medicina na Columbia University em Nova York, no ano 2000. A criação desse termo veio após longa vivência como médica e professora, bem como a partir de contato com a área da Literatura, onde fez doutorado. No ano de 2009, ela teve aprovado o programa de Mestrado em Medicina Narrativa na mesma Universidade. 
     Um aspecto que devemos ressaltar inicialmente sobre a Medicina Narrativa são os termos em português História e “Estória”. Estória” não é mais aceito em português há décadas. Mas já foi equivalente aos termos em inglês “history” e “story”. O primeiro para a história, estudo de como foi o transcorrer dos povos no tempo, com seus processos sociais, políticos, etc, e o segundo para os contos, os romances, os enredos. Eventualmente ambos se cruzam, ou se juntam. Com essa diferenciação, pode-se entender melhor quando estamos tratando, por exemplo, de “estórias” de um paciente, ou de sua história clínica. Ou ainda em literatura, quando se trata de história (history) ou de “estória”.
     Conforme a Profa. Dra. Rita Charon, da Universidade de Columbia, a Medicina Narrativa é uma medicina praticada com competência narrativa para reconhecer, absorver, interpretar e ser tocado pelas histórias (estórias) de doenças (e de doentes).
     A Medicina Narrativa busca:
-       Aumentar a capacidade de percepção clínica.
-       Levar a um cuidado mais humano, mais ético e mais efetivo.
     A Medicina Narrativa provém dos seguintes campos:
      - Humanidades e Medicina
      - Cuidados Primários em Medicina
      - Narratologia contemporânea (que é o estudo de estruturas e de elementos das narrativas)
     - Estudos de relação médico-paciente.
     - Literatura e Medicina
     - Cuidado centrado no vínculo indivíduo/comunidade/profissional da saúde
     O estudo da Medicina diz respeito ao estudo do ser humano. Tudo o que se estuda em Medicina, e além dela, vai, gradativamente, configurando o que se entende por “ser humano”.
     Profissionais da saúde precisam de meios para:
-       Singularizar o cuidado ao paciente
-       Reconhecer/perceber a ética profissional e os deveres pessoais ao doente
-       Produzir “correlações terapêuticas” com pacientes, entre profissionais e com o público.
     Hoje em dia, a falta de singularidade, humildade, responsabilidade, empatia pode ser provida, em parte, pela Medicina Narrativa.
     A atividade da medicina narrativa é compatível com uma prática multiprofissional.
     O que é multiprofissional pode ser multidisciplinar ou interdisciplinar. Cada um desses conceitos tem suas particularidades e tem suas intersecções.
Multidisciplinaridade: é o que já está presente desde Aristóteles. Corresponde a cada área do Conhecimento com sua linguagem e seu método.
Interdisciplinaridade: permite uma permuta de linguagens e de métodos, ou ainda a adoção da mesma linguagem e método por diferentes campos do Conhecimento.
Transdisciplinaridade: diz respeito mais a uma “metalinguagem” e “metamétodos”, ou seja, transversaliza diferentes campos do Conhecimento, mas ao mesmo tempo sem o tipo de envolvimento da interdisciplinaridade, já que aborda “linguagem e método” do “lado de fora”, ou seja sem submeter-se às condições e normas de linguagem e método dos campos. A transdisciplinaridade também inclui “culturalidade”, ou seja, admite no processo de Conhecimento as variáveis culturais. Também a transdisciplinaridade, por suas características, concilia paradoxos.
     São 3 os pilares da transdisciplinaridade:
1 –Níveis de Realidade.
     Deve-se admitir que a abordagem do Real pode acontecer em diferentes níveis de realidade, de modo que em cada nível há condições próprias. Não se pode reduzir todo o fenômeno a apenas um nível de realidade. Assim, este pilar também propõe uma atitude de “antirreducionismo”, ou “não reducionista”. Se, por exemplo, levarmos para o âmbito do ser humano, podemos ver que “ser humano” não se reduz ao nível da realidade biológica, mas há outros níveis de realidade, como cultural, social, entre outros, que vão compor a realidade do indivíduo.
2 – Complexidade.
     A Complexidade também é “antirreducionista” ou “não reducionista”.
     Uma forma de entender a complexidade é a frase: “O todo é mais do que a soma das partes”.  Assim, mesmo que se juntem todas as partes não se tem um todo. Isso porque o todo implica em alguma coisa a mais do que apenas se ter as partes. Passa a estar presente também o vínculo entre as partes, os fatores que unem as partes, a energia, os desdobramentos provenientes da existência desse todo que articula essas partes.                  
3 – Terceiro incluído.
     O terceiro incluído segue uma lógica diferente do “terceiro excluído”. Neste, em uma configuração lógica onde A e B não se correlacionam, o terceiro excluído corresponde a um “não A” e “não B”.
     Já no terceiro incluído, “não A” e “não B” podem implicar em “um C”, que possa harmonizar “não A” e “não B” em convivência simultânea. Os autores dão como exemplo dessa situação a conceituação física quântica de “quantum”. Isso acaba resolvendo a dicotomia entre as possibilidades de um fóton ser partícula ou de ser onda. No “quantum” essas duas possibilidades convivem em um nível de realidade acima de ambos. Assim admite o que é um paradoxo em outra instância. Vai além dos pares de opostos.
     Como uma espécie de quarto pilar temos a culturalidade já citada.
     Ainda sobre a Medicina Narrativa, pode-se dizer que também é:
-       Um reforço à anamnese tradicional
-       Uma recuperação do valor dessa anamnese no século 21.
-       Educação e prática de uma “escuta focada” e de “um olhar clínico” que direcionam as “decisões baseadas em evidência”.
     Protocolos médicos são boas ferramentas em mãos de quem raciocina a respeito de sua aplicação, adapta-os “à singularidade do paciente e de sua cultura”.
     Isso é possível a partir de uma boa anamnese, e do exercício narrativo.
     A Medicina Narrativa pode aprimorar no profissional de saúde a percepção de quando e quanto deve acrescentar de dados à anamnese, permitindo conhecer aspectos da vida do paciente que podem interferir no processo saúde/doença, e usualmente passam despercebidos.
     Além dos diversos profissionais de saúde, em seus aspectos interdisciplinar e transdisciplinar a Medicina Narrativa contempla espaços e interfaces com diferentes áreas do Conhecimento.